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1978-02 - Vendas Novas


“Saído do I Governo Constitucional no princípio de Janeiro, esgotada que estava a utilidade da minha participação, o que fica para outra oportunidade de narrativa, regressei à actividade castrense de que já estava um tanto desabituado, como veio a demonstrar-se-me, retirando-se as dúvidas que ainda persistiam em mim. Fui para Vendas Novas, Escola Prática de Artilharia, única Unidade que conheci no Continente. (Neste aspecto, houve quem tivesse a gentileza de me fazer a vontade até porque as coisas se proporcionaram: o então 2º Comandante estava a terminar a sua “deslocação”- assim chamavam algumas colocações - e eu assumi essas funções). Fica também para outra altura melhor descrição desta permanência.
Tinha ao meu dispor uma “suite” bastante para as minhas exigências: uma pequena salinha de entrada com uma pequena mesa que era uma pequena secretária, uma pequena estante para um apreciável volume de “dossiers” que levara comigo, uma pequena casa de banho convenientemente privativa mas sem banheira, que em boa verdade não fazia falta porque raramente uso (mas evidentemente que com polibã e águas quentes e frias)-e um espaçoso quarto com cama de casal, subutilizada, e área suficiente para ali se arrumar o que sobrasse das outras instalações disponíveis. E uma coisa preciosa: privacidade, onde me recolhia terminado o serviço.
Tinha familiares na então Vila agora presunçosamente cidadezinha para satisfação do ego dos locais e vangloria de um Presidente da Câmara, que eram igualmente porto de abrigo, tanto mais que a minha família doméstica estava uma vez mais dispersa no Pombalinho e em Lisboa. Estávamos todos em comissão de serviço por força dele.
Servem estes detalhes para também dizer que, embora não deixasse de o fazer, frequentava pouco a Sala de Oficiais e o Bar. É aqui que bate o ponto.
Muito naturalmente os oficiais que ali se reuniam, mais jovens ou menos jovens, mostravam-se manifestamente desejosos de ouvir o que o Tenente Coronel 2º Comandante e recém-ex-ministro da Administração Interna agora durante ano e meio, com as primeiras eleições autárquicas e outras atribulações incluídas, tivesse para lhes contar, ficando-lhe gratos.
Eu reconhecia que tinha vivido num mundo e num meio que lhes era desconhecido, que tinha tido vivências que ultrapassariam a sua mera curiosidade, que gostavam de conhecer factos, causas e consequências, a confirmação ou não de boatos que circularam ou ainda circulavam. Quando uma ou outra vez me dispunha a isso, uma história ou estória, aglomeravam-se à minha volta.
Mas eu sabia bem que estávamos em 1978,  com ânimos ainda quentes e diversificados, pouco consolidados, e da discutibilidade potencial de qualquer minha manifestação de opinião de acordo até com as suas simpatias ideológicas que não deixariam evidentemente de ter. Aqui e assim entenderão a minha reserva sobre essas matérias.
Um pequeno episódio: pelo menos por tradição, o Comando não interferia na gestão da Sala de Oficiais, donde que os jornais que ali se liam eram os comprados por decisão e escolha da respectiva direcção. E o que notei é que eram substancialmente monocolores, um bocado característica da época. E uma noite em que tal se proporcionou, num pequeno círculo de auditores, chamei a atenção para o que me parecia ser um facto corrigível, com outros títulos e aumentando a escolha - o que veio a ser aceite – e sugeri um exercício simples a propósito da manipulação de que os media podem ser agentes e com frequência o são. Propus que, ao lerem um jornal: 

1º- Ao título em parangona acrescentassem sempre um ponto de interrogação;
2º- Que confirmassem a justeza desse título com o conteúdo do texto que em princípio o devia justificar, quer quanto à matéria quer quanto à relevância, mesmo que em leitura rápida;
3º- Que após a leitura colocassem a si mesmos uma pergunta simples: “Onde é que eles querem chegar ?”

E com este manifesto cepticismo poderiam ter a certeza de que ficava dificultado o êxito das possíveis intenções de que comessem gato por lebre.
Acharam graça e sei que muitos seguiram a sugestão, se não numa prática rigorosa, pelo menos na não-aceitação acrítica que os “ vendedores” quereriam.
Quanto a mim, ainda hoje, até com reforçadas motivações pessoais, assim procedo automaticamente por alguma coisa que isso melindre alguns bons jornalistas, que evidentemente há, com manifesta honestidade intelectual e deontologicamente sãos. Permita-se-me que defenda quanto possa a minha sanidade mental.”   
  


Nota – “Este texto foi elaborado e guardado em 10 de Setembro de 2015, sobre matéria de que vinha falando com amigos, ocasionalmente, recordando. É interessante a sua actualidade e oportunidade em termos de conteúdo de tal forma que há uma coincidência não propositada entre o seu envio para o blog e a recentíssima reunião de um Congresso de Jornalismo que terminou no domingo passado, onde ao que tenho lido e para o que aqui importa, foram abordadas matérias relacionadas com o rigor jornalístico, a deontologia profissional, o mercenarismo , a ética, as confusões correntes entre “jornalista” e “comentador” e a pós-verdade – que agora está na moda assim chamar –. Sem esquecer, por várias razões, as condições de trabalho .

2017-01-17 “


Manuel Costa Braz