A burocracia e os cães


A burocracia e os cães


Não há dúvida de que a burocracia é necessária para acertar rigor de procedimentos. Mas quando é excessiva e redundante, causa incómodos, trabalhos, dispêndios e um mundo de impaciências. Afecta a eficácia e a eficiência desejáveis na Administração Pública. Muitas vezes são os seus próprios agentes que a desenvolvem, presumida e alegadamente num esforço de rigor, na prática frequentemente como defesa na sua insegurança ou manifestação de importância pessoal e da sua função. Noutras ocasiões por mera preguiça, física e intelectual.
No dia 27 de Agosto de 1979 um cidadão espanhol, identificado, regressava ao seu país depois de uma visita a Portugal, no que fez muito bem. Na fronteira, junto a um posto de gasolina, teve imposições físicas que não conseguiu resolver em instalações do posto que as não teria ou, tendo, não estariam disponíveis, pelo que se socorreu do improviso habitual nas traseiras do mesmo posto. Eis senão quando foi acometido por cães que o morderam na pantorrilha, vulgo “barriga das pernas”. Queixou-se em termos amargos e preocupados ao Cônsul-Geral de Portugal em Barcelona em 6 de Setembro seguinte, em ofício registado a 12, pedindo desculpa pelo incómodo e “ desde logo se é o caso de o Sr. não ter maneira de poder solucionar-mo, peço-lhe que me o comunique quanto antes e indicar-me o que posso fazer para saber destes cães” (tradução livre ).
O Senhor Cônsul deve ter ficado muito preocupado, tanto assim que remeteu a questão para o seu Ministério que, também preocupado, perguntou ao Ministério da Administração Interna em ofício de 2 de Outubro e ali recebido no dia seguinte, - como era esperável, dada a pequena distancia entre os dois departamentos, - onde “Muito agradecia a V.Exª. se dignasse habilitar esta Secretaria de Estado sobre o que tiver por mais conveniente sobre o assunto”.

Dado o tempo decorrido, o facto de o queixoso não referir, - tal como não terá sido recomendado pelos titulares das passagens intermédias da queixa, - o recurso à consulta de um enfermeiro, de uma enfermaria, de um farmacêutico, de uma farmácia, de um médico, de um posto de socorros, de um hospital, para a despistagem de um caso de raiva, sentiu-se no MAI a angústia da impotência para acorrer em tempo oportuno, considerando o tempo de incubação e o facto de se terem interposto, na actividade, tarefas relevantes. De qualquer modo convinha alijar também responsabilidades, colocando-as no infinito. Que diabo…
Por isso se veio a informar sobre o que o Senhor Ministro disse acerca do assunto:
“Lamenta-se profundamente o incidente que, como consta da carta, decorreu em território português.
Dada a ausência de superintendência do MAI relativamente a cães provavelmente vadios, não é fácil chegar a conclusões. Assim, e apesar da dilação entre a pergunta e a resposta, não se conseguiu saber:
    1 – A identificação dos cães infractores;
    2 – Em consequência se tinham nascido em território português ou espanhol, o que é admissível dada a proximidade da fronteira; 
    3 – Das sequelas do incidente nem no Sr…. nem nos cães;
    4 – Se estavam particularmente treinados para impedir quaisquer soluções de recurso face à ausência de instalações sanitárias no posto de gasolina, o que também se lamenta.
Então, e com aquelas dúvidas, não nos resta mais que formular votos por uma melhoria do comportamento dos cães de um e outro lado da fronteira, que devem acolher cordialmente os visitantes em clima de boa e profícua vizinhança.
Com os melhores cumprimentos”…..

Tudo terá acabado em bem: os cães não foram punidos e o queixoso não terá tido então maior moléstia conhecida na sua integridade física.

Manuel da Costa Braz
Na m/pasta Para Memória Futura
Editado em Nov de 2018