Caríssimo Manuel
Gomes
Abril
e os coronéis gregos
Acontece que o
sinal wi-fi permanece fraquinho: dizem-me que o seu retransmissor está na
Chamusca e, ao que se depreende, ele cansa-se muito a
atravessar o Tejo e a correr pela planície do outro lado, mesmo que sem toiros
e sem cavalos, para chegar ao Pombalinho; o calor lá fora, pelo contrário,
permanece forte e eu, acomodado no fresco caseiro, sinto-me na obrigação de
cumprir o que prometi. Com muito agrado.
Estávamos
anteontem em Junho de 1974, que recordo como mês de esclarecimentos e
movimentações. Retrocedamos uns dias para o início do mês.
O Vitor Alves
procurou-me para combinarmos deslocações que estavam em carteira no “Movimento
das Forças Armadas” em função de convites recebidos. Combinámos então que eu
iria para a Holanda e Bélgica, de onde vinham insistências para essa
deslocação, e que ele iria já não sei para onde, mas que era previsivelmente
mais demorado.
Foi constituída
uma “delegação” composta pelo saudoso Dr Abranches Ferrão, eu próprio, e um jovem
engenheiro de quem eu receio não precisar o nome, que trabalhava então no
Ministério da Obras Públicas. O Dr Abranches Ferrão, que presidia ao grupo, apresentava-se
nas várias palestras que tiveram lugar como socialista, ao engenheiro como
filo-comunista e a mim como “militar”, logo independente, no que fazia muito
bem.
Foram extremamente
interessantes aquelas palestras em Haia, Amsterdão e Bruxelas, bastante
assistidas pelos nossos emigrantes das redondezas e não só. Foi imensa a
curiosidade manifestada e recordo, pelo meu lado, um imponente edifício
pertença de um sindicato belga que me deu a ideia do poder sindical aqui então
em início de formação e que só lá para o final do ano viria a ter enquadramento
jurídico pela “lei das associações”, em que tive intervenção.
Os nossos
anfitriões convidaram-nos, entre outras eventos, para um jantar num restaurante
grego, não sei bem se em Bruxelas ou Haia, mas tanto faz.
O jantar decorria
efusivo e alegre e a certa altura entra pela sala, um tanto reservada, um
grupinho barulhento e vivo de gregos que manifestavam o seu desejo de
conhecerem o “coronel democrata” que, pelos vistos, eles tinham em conta de
”ave rara”, já que eram manifesta e declaradamente dos que se tinham por mal
servidos pelo “governo- dos- coronéis” na sua terra de origem.
A esse grupinho
juntou-se ainda um outro, já com mistura de gregos e locais que pelos vistos
tinha tido notícia da nossa presença.
Numa grande
confraternização social e alguma coisa ideológica, lá lhes fiz ver que até era
só “tenente-coronel” e que não aspirava, como os meus companheiros do 25 A, a
promoções dessa natureza.
E ficámos todos
muito contentes, festejando e louvando a Democracia, com toda a razão.
Um abraço
Pombalinho, 14 de Setembro
de 2018