O ONZE DE MARÇO E A ASSEMBLEIA DO MFA
Dormia
profundamente na noite de 10/11de Março quando o Stoffel (meu Amigo e Chefe de
Gabinete) telefonou para minha casa a perguntar por mim (note-se a forma), já
eram umas nove e tal, e a minha Mulher lhe disse, em mentira piedosa, que eu
estava a tomar banho, o que no momento não era verdade.
Tinha-me deitado bastante tarde após reunião do
Conselho dos Vinte,- a cúpula do MFA estava ali integrada - que pedi ao PR Gen
Costa Gomes se realizasse por causa dos distúrbios verificados em Setúbal no
dia 8 à volta do posto local da PSP e na sequência da sua intervenção aquando de
uma tentativa de impedimento da realização de um comício do PPD na noite do dia
7. Em resultado desses incidentes foi o Posto evacuado por iniciativa local e tal
era a balbúrdia na altura que eu, no cargo que ocupava, não tive conhecimento
tempestivo disso e menos da sua iminência até me ser comunicado pelo Governador
Civil que esgotou a sua competência de intervenção. Em boa verdade a PSP, na
altura, não tinha capacidade reactiva… e eu pretendia evidentemente a
reocupação do Posto com a acção, mesmo agressiva, do COPCON, que na altura se
tornava necessária. O seu Comandante, Otelo, estava presente na reunião e esse
apoio foi decidido (mas não veio a ser concretizado de imediato).
Passado
mais um bocado novo telefonema do Stoffel que ouviu estar eu a vestir-me.
Entretanto
– e muito importante - eu estive em falta na reunião do Conselho de Ministros
que teve lugar na manhã desse dia 11,- coisa que veio a suscitar nalguns
espíritos, no momento e posteriormente, algumas interrogações.
“Presentes todos os Ministros com excepção dos
Ministros Melo Antunes, Vítor Alves e da Administração Interna ”-in Acta da
Reunião (!)
Quando
finalmente cheguei ao meu Gabinete estava tudo numa polvorosa imaginável, com alguns
dos seus elementos armados. Houve quem falasse de analogias com Moncada e
outros “entusiasmos” que a proximidade temporal trazia. Manifestei-me contra as
armas na mão, que cada um fosse para o seu lugar e que fosse procurado
conhecimento da evolução da situação. (Só entre os dois, evidentemente, o
Stoffel não me dispensou de uma descompostura pelos não atendimentos das
chamadas e uma chegada classificada de tardia até porque, aliás como eu,
não estava a perceber porque se passava o que ele ia sabendo que se passava).
Lá mais
para a tarde a coisa ampliou-se-nos até com perturbações na GNR e a detenção
(que aliás acabou por ser de curta duração) do seu Comandante Geral, o
General Pinto Ferreira, com a intervenção do seu antecessor e outros oficiais
que ficarão associados ao evento e suas sequelas.
Anoto aqui, como parêntesis, (e o porquê ficará
ao cuidado do leitor) que no início de Março, numa Assembleia do MFA, p ex, o
meu muito estimado Ricardo Durão se havia manifestado contra o chamado “Plano
Melo Antunes” (por ter sido Melo Antunes o coordenador em Sesimbra do trabalho
de um grupo de pessoas relevantes na ciência económica, social e política da
altura como Rui Vilar, Maria de Lourdes Pintasilgo, Silva Lopes e Vitor
Constâncio). Esse Plano, diligente e muito conveniente iniciativa de definição
sobre o que se deveria fazer e caminho a seguir na área da economia, foi levado
a Conselho de Ministros no princípio de Fevereiro e ali aprovado, com observações
p ex. de Álvaro Cunhal: com voz serena mas firme, chamou-o crítica e
depreciativamente – no seu entender - de ”social-democrata”, coisa que teve
natural, sonante e esperável eco sectorial no exterior. (Aliás "social-democrata" foi estigma na União Soviética e a social democracia era doutrina política na altura bastante expandida na Europa
Ocidental). Outros o classificavam de modo oposto. Tudo, evidentemente, por
preconizar intervenções estatais em determinados sectores estratégicos da
economia, para uns de mais, para outros de menos. Certo é que foi objecto de
conotações espúrias.
Sublinhe-se, não por acaso, que estamos a um
mês e meio depois dessa aprovação, criando quanto possível vias para a sua
concretização e…- muito importante - a caminho da realização das primeiras
eleições livres, que conduziriam naturalmente à contagem das opções partidárias
e consequente peso relativo na Sociedade, com as suas conveniências e inconveniências
(mas grande interesse, diria que decisório, para o futuro que rapidamente se
aproximou).
À
noite, “recolhidas as tropas a quartéis”( como é fácil dizer isto agora !…)
reunião em Belém, que veio a ser suspensa face a informação alarmada
entretanto recebida, e “convocatória “para participação numa outra que se soube
estar em montagem no então Instituto de Defesa Nacional, cuja mobilização se
desconhecia. Para aí seguiu o “Conselho dos Vinte”. Tratava-se da Reunião que
ficou para a História deste período como a “Reunião Selvagem” do MFA. Com gente
fardada e armada, berros, gritos excitados e exaltados, agressivos, um
substancial pandemónio.
As
intervenções telúricas e sísmicas de um ou outro elemento tinham depois
réplicas num lado ou outro da sala, em orquestração de técnica conhecida.
Com
energia, também, lhes respondeu principalmente e bem Vasco Lourenço.
No que me
respeita fui ali atacado com veemência, também com foco nas funções que exercia, pelo Cor Varela
Gomes,- veemência que já então se entendia - e admitida a minha
participação. Na sequência, fui inquirido directa, pessoal e, para mim, surpreendentemente,
pelo Cmdt Lopes de Mendonça que, quando fui Adjunto Militar do PM
Prof Palma Carlos, no I Gov Provisório, trabalhara comigo: informei a Mesa,
composta pelo “Conselho dos Vinte” presidida evidentemente pelo PR, Gen Costa
Gomes, de que, de momento, me recusava a responder, com o que se criou um clima
de suspeição apreciável.
Passados
mais uns tempos e umas intervenções, pedi ao presidente da Mesa para chamar um
capitão que prestava serviço na PSP e já tinha usado da palavra, para lhe
fazer umas perguntas. Assim aconteceu e, em “estilo Perry Mason”, coloquei-lhe
creio que quatro questões para resposta “Sim” ou “Não”. Às perguntas e
respostas seguiu-se um profundo silêncio na sala.
Entretanto,
de algures de junto da parede à direita de quem entra no Auditório, da 3ª ou 4ª
fila, uma voz inquieta no meio da balbúrdia em que vinha decorrendo boa parte
da reunião, não sei se apenas inocente e honesta, se também politicamente
intencional, suscita a questão das próximas eleições e a consideração de que se
tornava imperativo que dali saísse uma manifestação clara e afirmativa de que o
MFA as levaria por diante, cumprindo o que prometera. O presidente da Mesa (PR,
Gen Costa Gomes, recordo) apoiou claramente a proposta e a declaração formal, e
eu propus que constasse do comunicado para a Comunicação Social, coisa cuja
execução acompanhei.
O PM,
Vasco Gonçalves, com quem (com Melo Antunes) eu já tinha tido uma forte querela
em Dezembro anterior, permanecia silencioso, cabisbaixo e como que ausente.
Varela Gomes, manifestamente contrariado, não conseguiu levar aquilo que seria
“a sua” avante, aí incluindo a minha requerida “cabeça”.
Mas
considerando toda a envolvência e o meu posicionamento naquele Conselho de Ministros,
farto e cansado, voltei-me para o Vitor Alves, que estava a meu lado na Mesa e
disse-lhe que considerava terminada a minha tarefa nas funções que exercia: o
“comboio” das eleições estava em andamento e com uma força de inércia
deliberadamente criada que, se era difícil ser parado, também não havia força
para o repor em carris se porventura fossem sabotados. Para isso se
batalhava há mais de seis meses.
Disse ao PM
(com quem tive, portanto, mais um desaguisado) e ao PR que pretendia abandonar
o Governo, criado que estava o caminho para as eleições.
Assim veio a acontecer aquando da remodelação
que se seguiu no dia 26 admitindo, presunçosamente é certo, que a minha
exoneração seria um bocado difícil de explicar.
Mas no entretanto fui verificar e confirmar todo
o andamento do processo eleitoral no âmbito do Ministério, aí incluindo, e isto
era muitíssimo importante, o anúncio pelo PR do seu adiamento para o dia 25 de
Abril seguinte, um domingo propício mas também limite do prazo proclamado no
Programa do MFA.
À saída, o
Cmdt Mendonça apresentou-me desculpas. Disse-lhe que o devia ter feito a todos
os presentes pelo engano em que os induziu. Eu não as aceitei.
In m/ pasta
Para Memória Futura
Ago 2017
Revisto em
Out 2018