Coincidências
e acasos
“Eu
non creo nas meigas, mas habelas hainas”, assim dirão os
nossos vizinhos galegos, logo traduzidos na sua afirmação tão sincera e pura pelos
seus compatriotas castelhanos para “yo
no creo en brujas, pero que las hay, las hay”. Com a nossa proverbial
apetência linguística, não se torna aqui necessária a tradução, sendo a frase
dita na sua forma castelhana, como aliás está difundida em várias paragens,
embora aí logo seguida da necessária conversão.
Um número já avultado de anos de
vida leva a que, visitando o passado, se encontrem coincidências e acasos que
justificam estas notas.
De facto:…
I
No início de 1956, tinha eu uns
juvenis 21 anos, também me deu a febre da motorização! E iam-se-me os olhos
numas rutilantes motos da altura. (Digo “também” porque passaram-se uns bons
anos e não me surpreenderam as pretensões análogas do meu filho). É que na
Escola do Exército eu tinha pertencido a uma “classe especial de motos” - que
se apresentou em algumas acrobacias e exercícios na festa do Juramento de
Bandeira - e só me estatelei uma vez e não por culpa minha.
O meu pai, com muito aviso, dizia-me
que se com quatro rodas se partia o nariz com facilidade, só com duas as probabilidades
aumentavam significativamente. Aguardar-se-ia, pois, por uma “melhor
oportunidade”. (É que o meu pai não só comparticiparia, como o faria para a “maioria
do capital”, como terá já sido adivinhado…).
O meu desejo era conhecido dos
colegas na Escola Prática de Artilharia, e também a minha hesitação entre o
Fiat 1100 e o Volkswagen que veio a ser batizado de “Carocha”, ambos muito
badalados.
O Capitão José do Nascimento tinha
um primo que tinha um stand de automóveis em Castelo Branco. Um dia o primo do
Capitão passou por ali, vindo de Lisboa e a caminho de casa, com um Fiat desses
para o dito stand. Visitou o primo Capitão, que se lembrou das minhas intenções,
os visitantes - primo e carro - foram-me apresentados, dei uma volta e disse ao
senhor que o Fiat podia ficar. O cheiro a novo do diabo do carro inebriava…
Dormi mal e no dia seguinte, ao
acordar, pareceu-me, evidentemente, que tinha tido um sonho agradável.
No fim de semana a seguir fui a
casa. O meu pai estranhou a hora da chegada, que associava a um comboio.
Ao ver o carro, ficou silencioso e
com voz embargada chamou-me a atenção:
O carro tinha a matrícula LF 24-60 e ele, como funcionário da CP,
tinha a de 2460.
E houve comoção familiar com a “conquista
“ e novidade .
Ele há coisas !...
Quando em 1976 fui convidado para o
I Governo Constitucional, a data das primeiras eleições autárquicas estava já
marcada e no entretanto havia muito a fazer em curto espaço de tempo.
Essas eleições constituíam o fecho
de um ciclo eleitoral que se traduzia na democratização institucional do País:
as primeiras eleições legislativas tinham-se realizado no dia 25 de Abril com a
vitória do PS, e as eleições presidenciais em 27 de Junho com a vitória de
Ramalho Eanes.
Como estas eleições tinham uma
metodologia um tanto diferente das legislativas, havia que adaptar os vários
escalões intervenientes; havia que elaborar a respectiva lei eleitoral, que
aliás foi origem de um pesado diferendo meu com o Dr Sá Carneiro - ;
- ele entendia e disse-me uma vez, com ar ríspido, que eu “devia” seguir a orientação do meu antecessor na questão do executivo autárquico (lista maioritária ou proporcional, ou seja, entre partidariamente “monocolor” ou “colorida”), quando eu entendia que a opção devia ser escolhida pelos lideres partidários, pois se tratava de uma questão estrutural!... -
havia que combater o risco de abstencionismo a que a saturação eleitoral poderia conduzir; havia que procurar reduzir os tempos mortos sem prejuízo do rigor, já que o apuramento dos resultados seria previsivelmente mais moroso que nos actos eleitorais anteriores mesmo atento os meios informáticos então disponíveis e em evolução; havia que esclarecer bem os eleitores sobre a metodologia da votação, já que se trataria da composição de mais de um órgão; havia que …
- ele entendia e disse-me uma vez, com ar ríspido, que eu “devia” seguir a orientação do meu antecessor na questão do executivo autárquico (lista maioritária ou proporcional, ou seja, entre partidariamente “monocolor” ou “colorida”), quando eu entendia que a opção devia ser escolhida pelos lideres partidários, pois se tratava de uma questão estrutural!... -
havia que combater o risco de abstencionismo a que a saturação eleitoral poderia conduzir; havia que procurar reduzir os tempos mortos sem prejuízo do rigor, já que o apuramento dos resultados seria previsivelmente mais moroso que nos actos eleitorais anteriores mesmo atento os meios informáticos então disponíveis e em evolução; havia que esclarecer bem os eleitores sobre a metodologia da votação, já que se trataria da composição de mais de um órgão; havia que …
E as coisas, em aspectos sociais,
não estavam muito tranquilas, nomeadamente no Alentejo onde havia alguma
agitação à volta da “reforma agrária” que teve um ponto relevante nas vésperas
imediatas das eleições: chamei de “garotice revolucionária” uma concentração
para ocupação da herdade da Lobata, perto de Beja, que teve uma contenção firme
mas não violenta da GNR, com o meu amigo e colega Carvalho Figueira, como
Governador Civil, a gerir in loco o
incidente que foi resolvido a contento, isto é, sem danos físicos.
Em contrapartida, as eleições
vieram a ser uma portentosa manifestação de civismo em todo o País, mas com um
já algo elevado grau de abstenção (35,45 %).
O PS e o PSD (desde 3 Out 76, antes, PPD) obtiveram a igualdade de Presidências de Câmara seguidos por, quase iguais mas lá longe, o CDS e a FEPU.
O PS e o PSD (desde 3 Out 76, antes, PPD) obtiveram a igualdade de Presidências de Câmara seguidos por, quase iguais mas lá longe, o CDS e a FEPU.
O modo feliz como elas decorreram e
um cubo de madeira com a incrustação dos cunhos de impressão de toda a
simbologia dos boletins de voto, - constituindo seguramente uma peça única,
religiosamente guardada- que me foi oferecida pelos meus colaboradores do STAPE
- onde pontificou o meu caríssimo amigo comandante Luis da Costa Correia -,
constituíram preciosas prendas no meu 17º
Aniversário de Casamento.
Ele há coisas !...
Noutro lado ( Cabora Bassa I
) digo da minha satisfação de ser convidado para a administração da Hidroeléctrica
de Cabora Bassa; também aí faço referência ao telefonema do Vitor Alves para o
Pombalinho a dizer-me, com agrado
meu, confesso, da decisão afirmativa do Conselho da Revolução da véspera, 3 de
Novembro, sobre a minha requisição para o cargo; e como nesse dia eu fazia 44 anos.
Coisa que ele não sabia apesar de
amigos que eramos.
Ele há coisas !...
Há uns três ou quatro anos o meu
filho, o Manel, resolveu “renovar a frota” e comprou um novo barco, com que se
diverte e descansa das fadigas do trabalho ou das agressões da doença que o incomoda desde os 17 anos. Doença
complicada e massacrante que ele, com a sua resiliência insuperável e diversíssimas
vezes posta à prova, tem superado ao longo dos anos.
E em Troia, convidou-me a ir
visitar a nova aquisição. Não sendo aficionado, gostei do que vi. E anotando um
detalhe que me fez lembrar tempos passados e aqui já descritos, perguntei-lhe
se tinha dado nome ao barco ou ele já vinha batizado.
Não, que já vinha assim porque
devia saber vencer as ondas e gostou dele, mas que o nome, de facto, lhe deu o click para a aquisição:
Chama-se RESILIENT.
Ele há coisas !...
V
Antes que fosse tarde, no final de
Setembro pp. resolvi convidar os colaboradores mais próximos que tive na Alta
Autoridade Contra a Corrupção para um almoço num restaurante em Algés. No dia 6 de Outubro, pelas 13H00…
Tive à mesa, com a minha Mulher, os
drs Pinto Monteiro, Santos Carvalho e Alfredo Caldeira, o Coronel Stoffel Martins
e as D. Yolanda Adrião, Maria Amália Reis e Conceição Jordão. Boa companhia.
A conversa passou dos estados de
saúde dos circunstantes e terapêuticas em uso para os graves problemas com que
o país então se confrontava – apontando soluções, já se vê -, passando por
episódios da vida daquele Organismo e pelo tempo que fazia e tinha feito, para
assentar numa interrogação que pelos vistos quase todos tinham menos eu: qual o
motivo daquele encontro?, que efeméride se comemorava?, alguém fazia anos?. Eu
não tinha outra resposta que não fosse o tal “antes que fosse tarde” ou um
prosaico “deu-me para ali “ com o gosto de ver caras que já não via há muito
tempo.
Em sucessivos esforços de memória
foi lembrado que a criação da Alta Autoridade se tinha verificado, “salvo erro,
por essa altura de 1983”, mas ninguém se lembrava da data exacta.Com o recurso
ao sapientíssimo Sr Google confirmou-se:
A Alta Autoridade Contra a
Corrupção foi criada pelo Decreto-lei nº 369 de 6 de Outubro de 1983, fazia nesse dia, precisamente, 35 anos.
Afinal havia uma efeméride, ainda
por cima em contas redondas !
Ele há coisas!...
Manuel
da Costa Braz
Da
m/pasta Para Memória Futura
Editado
em Novembro de 2018