D Branca



D Branca

NOTA PRÉVIA : Não é minha mínima pretensão entrar pessoalmente em qualquer “fotografia” com o tema em epígrafe. Apenas registar uma situação passada, para benefício da Memória Futura.

Tomei posse como Alto Comissário Contra a Corrupção ( da Alta Autoridade Contra a Corrupção-AACC ) em 22 de Dezembro de 1983, data propícia a passar em seguida as chamadas Festas com algum desejável sossego. Tinha passado os dois meses anteriores a definir a estrutura, o modo de funcionamento, a procurar e preparar instalações e colaboradores para o novo Organismo, criado pelo DL 369/83 de 16 de Outubro. Fui nisso acompanhado em preciosa ajuda pelos Cor Mário Stoffel Martins e Dr Alfredo Caldeira, que viriam a integrar o Gabinete do Alto Comissário. Todos pro bono nessa actividade, sublinhe-se.
Disse da bondade da data porque, com a experiência da instalação do Serviço do Provedor de Justiça, que aliás me foi muito útil em vários aspectos, adivinhava uma avalanche de correspondência em entrada logo que fosse conhecido o seu início de funcionamento, tendo sido pretendido desde sempre dar-lhe resposta em curto espaço de tempo.
E assim foi de facto, sendo no entanto verdade que um assunto bailava de boca em boca, de ouvido em ouvido, com remoques nos cafés, nas mesas dos restaurantes, nos serões em família, nos jornais, nacionais e não só: a actividade “bancária” de D. Branca.
Aí pôde ser visto um comportamento típico nacional de auto- desculpabilização, condescendência e chico-espertice na consideração das infracções e infractores e no seu aproveitamento pessoal, se possível.
O Jornal Tal & Qual, em Março de 1983, tinha abordado o assunto e, em 8 de Fevereiro de 1984, veio a publicar um extenso artigo, com enorme destaque na sua capa o que, na minha opinião, reforçava um comprometimento global; em 11 de Julho seguinte viria a retomar o tema em edição especial.
A Senhora, ternurentamente chamada de “A Banqueira do Povo”, há bastante tempo nesta actividade e que dava um juro de 10% ao mês, cumpriu em quanto lhe foi possível com os depósitos que ia recebendo (a “pirâmide” ou Esquema de Ponzi )  que era uma reedição portuguesa, acomodada, do esquema italiano. No fundo, as pessoas interrogavam-se sobre de onde viria aquele tanto dinheiro mas, apesar de as respostas mais fáceis serem prostituição, armas ou droga, o entusiasmo prosseguia. E o certo é que, finda que foi a actividade, abundaram os casos de não identificação de depositantes e putativos beneficiários , de entre os estimados “15.000 lesados”.
Também justifica a razão de não surgir um magistrado, um agente da Judiciária, um médico, um arquiteto, um advogado ou um jornalista na lista de ofendidos, distribuídos, para fins de futura indemnização, em cinco escalões: «boa condição económica» (18,2%), «média» (33,2%), «remediada» (24,8%), «modesta» (28,6%) e «pobre» (0,3%). (In Google)




Se nuns crescia a ganância, a outros incomodava o descaro da Senhora e dos seus acólitos e o descrédito e enxovalho das autoridades afins. Que era tida, pelos bons espíritos, claro, como “benevolente samaritana”.

Iniciei portanto a minha actividade como Alto Comissário com este assunto candente e objecto de algumas iniciativas junto do Organismo que dirigia.
Acontecia, no entanto, que havia uma imensidão de desconhecedores de que a AACC não podia intervir institucionalmente na questão: o seu universo de intervenção era, globalmente, a Administração Pública e não a actividade privada. O equívoco residia no significado comum de “corrupção” e o seu significado e peso jurídico de então. Mas, pensei eu, podíamos admitir, mesmo que enviesadamente, que um funcionário público era conivente e beneficiário das infracções que estivessem a ser cometidas…
(No Google consta que Esta sua atividade não passou despercebida às autoridades judiciais e bancárias, mas estas tornaram-se facilmente subornáveis., o que, que eu saiba, ficou por demonstrar.)
Diligenciei por falar com o Ministro das Finanças, Dr Ernâni Lopes, o que aconteceu no seu gabinete. Ouvi do interesse  que tinha em considerar o assunto, não só porque era preocupação da AACC, criada pelo Governo a que pertencia, como porque, de facto, era matéria do foro daquele ministério; ouvi também que desconhecia o “volume” financeiro em causa, o que francamente me surpreendeu, mas eu também não conhecia.
Tive de seguida um encontro com o Procurador Geral da República, o estimabilíssimo Dr Arala Chaves, com quem troquei impressões, mais como cidadão do que Alto Comissário, mas sem esquecer esta qualidade.
Renovámos pouco tempo depois esse encontro, como se tinha aprazado, sendo eu acompanhado pelo Alto Comissário Adjunto, Dr Rui Pinheiro, (Procurador Geral Adjunto), e presentes quadros de chefia da Inspecção do Banco de Portugal e da Polícia Judiciária, específicamente solicitados: fiz a introdução ao assunto e o dr Rui Pinheiro expôs qual a nossa ideia quanto ao caminho a seguir, no que se foi bem acolhido, como era esperável, por qualquer das instâncias.
E com isso, terminei a minha intervenção institucional com a consciência de que o assunto estava já entregue às instâncias adequadas, mesmo considerando o caso de eventual omissão por parte de Serviços Públicos. O que se verificou estar correcto, tanto mais que se afigura ter existido uma boa concertação entre a PGR, o MFinanças e o MJustiça.

Ernâni Lopes, à pergunta da jornalista Diana Andringa sobre a eventual entrada em falência, respondeu na RTP, muito clarinho, que não haveria indemnizações (do Estado) para ninguém;
Concluir-se-á que o exemplo não colheu...

A D Maria Branca dos Santos, que foi detida em 8 de Outubro de 1984 e condenada em 7 de Fevereiro de 1990 a 10 anos de prisão, veio a ser libertada antes do cumprimento por motivos de saúde e morreu a 3 de Abril de 1992, aos 90 anos, num lar, cega e na miséria.(v Google).
A AACC respeitou absolutamente o “absoluto segredo” a que estava obrigada.!...
Foi larga a publicidade dada ao assunto em muitos OCS, e incluiu um livro de Ricardo da Silva e uma extensa reportagem do inefável Der Spiegel, ambas em 1984, e outro livro de Pedro Prostes da Fonseca no ano passado.

Houve ainda uma série televisiva em 130 episódios (!) na RTP "A Banqueira do Povo"; transmitida na RTP1 no horário das 19 horas, entre12 de Abril e 8 de Outubro de 1993.
Entretanto estará por saber se o Sr Madoff, nos Estados Unidos, colheu algo da ciência portuguesa na matéria…As coisas também lhe correram mal. E a nós todos.




Manuel da Costa Braz
-In m/ pasta Para Memória Futura
-Editado em Out2018