Abril e o senhor Harold Wilson



Meu Caro Manuel Gomes


Abril e o senhor Harold Wilson


No “remanso tranquilo” do nosso Pombalinho, na casa fresca com um calorão de 40 graus lá fora que me causariam um incómodo muito grande, ouço /vejo notícias sobre a NATO que me trazem à memória situações passadas, com o seu quê de insólito e que não me parece estarem ali em  depósito afectadas por efabulação gerada nos 44 anos entretanto decorridos .
Decorria o celebrado ano de 1974, no seu mês de Junho, com assinaláveis movimentações sociais de uma progressiva adaptação aos novos tempos, era Primeiro-ministro o insigne Prof Adelino da Palma Carlos e eu era o seu Adjunto Militar, com muita honra, (fizemos uma fortíssima amizade) e Ministro dos Negócios Estrangeiros o Dr Mário Soares.
Iria ter lugar em Bruxelas, no dia 26, uma cimeira da NATO para apreciação da Nova Carta do Atlântico.
O Prof Palma Carlos, naturalmente, convidou-me para o acompanhar, afinal na dupla qualidade resultante da minha posição funcional e de “implicado” no “25 de Abril”.
(Não recordo se o então Coronel Firmino Miguel, Ministro da Defesa, também foi ou não, e não quero deixar de referir a sua contemporaneidade).
Por estranho que possa parecer não houve qualquer preparação prévia, pelo menos em que eu participasse. O Ministério dos Negócios Estrangeiros, mesmo com os tempos um tanto movimentados, não se mostrou nisso diligente e o certo é que todos fomos, por exemplo e como se constatou, desguarnecidos de indumentária adequada às situações previstas no programa. Não sendo o mais importante, era importante.
No avião, viajei ao lado do Prof. Palma Carlos e quando da aterragem e taxiagem para estacionamento, vejo pela janela, e com muita preocupação, uma formatura militar e uma passadeira larga a caminho de um estrado denunciada e estrategicamente colocado: era uma Guarda de Honra para o nosso PM.
O Prof Palma Carlos diz-me que não sabia nada dos procedimentos a ter. Digo-lhe rapidamente dos cumprimentos do/ao comandante da força e à Bandeira, da revista e do desfile mas com uma regra muito importante: em tudo o que fizesse, em boa verdade o que quer que fosse, deveria ter um ar muito determinado e decidido, convincente sobre as “nossas regras”. E acompanhei-o no percurso como ajudante –de--campo, sussurrando-lhe o que haveria de fazer em vários momentos. E tudo correu muito bem…
O salão das reuniões estava repleto de Primeiros Ministros e Ministros da Defesa, lembrando-me do posicionamento um tanto arrogante e impositivo de Helmut Schmidt, Chanceler alemão havia apenas dez dias em substituição do estimabilíssimo Willy Brandt - ambos do SPD, claro - que se tinha demitido na sequência do escândalo de espionagem a favor da Alemanha de Leste por um membro do seu Gabinete.
No jantar de cerimónia oferecido pelos Reis da Bélgica lá comparecemos com os nossos fatos correntes em confronto com os smokings dos outros circunstantes, prenunciando “revolucionariamente” na indumentária o ar contestatário da “sem gravata” dos Srs Aléxis Tsípras e Francisco Louçã e as “mangas de camisa” irreverentes do Sr Pablo Iglésias…
Eram notórias a curiosidade geral sobre a evolução da situação em Portugal, as interrogações sobre as intenções dos militares e, já então, o nível de intervenção do Partido Comunista Português. O Reino Unido, pelo seu embaixador em Bruxelas, talvez com um pensamento de tutoria ou protectorado e inspirado decerto no Tratado de Windsor de 1386, convidou muito utilmente a delegação portuguesa para um repasto na Embaixada a que presidiria o PM britânico, Harold Wilson, pelos vistos como personificação dessa curiosidade.
Não assisti às conversas no decorrer da refeição porque me sentei lá para o fim da comprida mesa dada minha fraca posição na hierarquia protocolar aplicável. Mas finda ela, quando um grupo restrito se reunia numa sala da embaixada, nós, os membros das comitivas, passeávamos na esplanada interior da residência tomando os nossos digestivos acompanhando as conversas pós-prandiais. A certa altura fui convidado a integrar aquele grupo. Na troca de impressões, lá disse também do que pensava e sabia ajustáveis ao momento.
Já todos tinham feito as suas libações ou estavam a finalizá-las.
Certo é que o Sr Wilson, que se mostrava muito atento. A certa altura e decerto porque se sentiu informado, repentinamente, quebrou essa atenção. Percebeu-se o final do encontro.
Passados alguns momentos, na porta de saída do edifício, nós, um a um, apresentámos os nossos agradecimentos e as nossas despedidas aos ilustres anfitriões: Harold Wilson, visivelmente embriagado, e ao senhor embaixador, que zelosamente o amparava.
Notei a transição brusca da atenção alcançado que terá sido o seu objectivo e registei a humanidade de uma pessoa muito importante até no contexto mundial, que já se tinha visto ou sabido confessadamente com Churchill, o whisky e os charutos. Esperava-se que não tivessem problemas sérios a resolver nessas alturas, reservando-os para os momentos de plena lucidez em que eram ricos.

E pronto. Por hoje é tudo. Se o calor e as dificuldades de rede hi-fi continuam, sou capaz de passar a escrito mais alguma estória. Fica a “ameaça”.

Um abraço

12 Set 18