04 setembro 2010

Eleições - Entrevista ao "O Jornal"







Costa Brás a  "O Jornal"


"Guerrilha partidária preocupa-me"

O tenente-coronel Costa Brás ocupa no Governo Lurdes Pintasilgo um posto-chave: o de ministro adjunto para a Administração Interna, qualidade em que é, aliás, o nº2 do Executivo, competindo-lhe substituir o Primeiro-Ministro na sua ausência ou impossibilidade. Àquele conhecido militar do 25 de Abril incumbirá, nomeadamente, a tarefa fundamental de cumprir o objectivo primeiro deste Governo que é o da realização de eleições.

Para as concretizar com isenção e seriedade, a engª Lurdes Pintasilgo escolheu um homem que os observadores independentes consideram especialmente qualificado para o efeito. De facto, Costa Brás foi já MAI nos II e III Governos Provisórios e nessa qualidade pôs em funcionamento toda a máquina que faria as eleições para a Constituinte em 75, numa altura em que já não era ministro, pois foi substituído no cargo após o 11 de Março.
Elemento destacado do MFA, e do 25 de Abril (da Administração da RTP, do Conselho dos Vinte, etc.), tendo participado nomeadamente na redacção final do seu programa,  Costa Brás, tido com um "moderado", conheceria então um período difícil, sendo depois um dos animadores do "grupo dos nove" e do seu documento. Após o 25 de Novembro ocuparia o cargo de provedor da Justiça, para o qual se exige um cidadão "acima de qualquer suspeita", cargo que abandonaria para voltar a ser ministro da Administração Interna no I Governo Constitucional, tendo nessa qualidade sido o responsável pelas eleições mais complexas - para as autarquias locais.

Após a sua saída do Governo o tenente-coronel Manuel Costa Brás, que conta 45 anos e é de Pombalinho (Santarém) regressou aos quartéis, sendo 2º comandante em Vendas Novas, mas, dada a sua competência técnica seria de novo requisitado para uma missão civil, como administrador por parte do Estado na Hidroeléctrica de Cabora Bassa, onde agora se encontrava.
Logo após a sua tomada de posse "O Jornal" pôs a Costa Brás algumas questões instantes, quer sobre o seu regresso ao Governo  e ataques que lhe têm sido feitos, em especial pelo PSD, quer sobre questões práticas relacionadas com as próximas eleições.

"O Jornal" - Como vê o seu regresso ao Ministério da Administração Interna?
Costa Brás - Como um acontecimento inesperado e não desejado. Porém meditei, aceitei e não me queixo de uma decisão que eu próprio tomei e assumo, ponderados os "prós e os contras", mesmo que estes sejam em maior número que os primeiros.

P - Então, porque aceitou o lugar?
R - Aceitei por três razões fundamentais: as condições particulares que levaram o senhor Presidente da República a adoptar esta solução; a amizade, aliás recíproca, que a senhora engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo faz o favor de ter demonstrado para comigo e a consideração que sinto por ela e, fundamentalmente - porque só por si era motivo impeditivo de recusa - a ligação do meu nome  à exigência, por todos bem sentida, de assegurar com isenção a realização do acto eleitoral. É uma distinção que me é dada e a que procurarei corresponder até ao esgotamento das possibilidades: e estou confiante de que se conseguirá atingir esses objectivos de elevado interesse nacional.

P - Um dos ataques que já lhe fazem é ter pertencido a um Governo da responsabilidade do PS. Que pensa deles?
R - É possível que seja "preso por ter cão e preso por não ter". É muito difícil a um independente, quando tem que decidir, obter a  aceitação generalizada de uma decisão, que por não satisfazer alguns interesses específicos partidários, pode ser tida como beneficiando outros. É um ónus provável. No nosso país, lamentavelmente, é  muito mais fácil viver estando quieto, do que assumir a plenitude das responsabilidades que nos sejam atribuídas. Guio-me por padrões de conduta substancialmente diferentes dos desse tipo.
Esta posição incómoda, já a vivi quando pertenci, como independente - e não só eu - ao I Governo Constitucional, da responsabilidade do Partido Socialista. Também aí teria sido para mim mais cómodo continuar no cargo que ocupava e de que guardo uma inesquecível recordação e honra muito particular: Provedor de Justiça. De facto, tive vários problemas, não só vindos de algumas personalidades do PS como, naturalmente, dos partidos então na oposição. Cito um exemplo destes últimos: a nomeação de governadores civis. Era para mim claro que, competindo a estes, pelo artigo 263 da Constituição "representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito" e havendo um partido encarregado de governar, a ele lhe caberia fornecer-me os nomes dos indigitados para essas funções. A minha independência e isenção, nesse caso, em nada podem ser tidas como afectadas e é assim que entendo a questão. Essa situação foi sendo progressivamente alterada na sucessão de governos após o I Governo Constitucional.

P - Entretanto, e voltando à questão da isenção e imparcialidade...
R - ... Objectivamente quanto à isenção e imparcialidade vejo-me obrigado a convidar as pessoas a lembrar outros actos eleitorais ou preparatórios de eleições, deixando naturalmente que concluam à vontade.
O que gostaria de ver, isto essencialmente em benefício de tantos compatriotas nossos um tanto confundidos e atordoados com o radicalismo de algumas declarações e posições de responsáveis políticos, era o seguimento de uma metodologia de esclarecimento e motivação para as eleições e não uma guerrilha interpartidária que me preocupa e que penso terá agravamento com repercussão no MAI e no Governo em geral.

Não peço dispensa da crítica, que sempre aceito. Custa-me é a atoarda, o rótulo, a insinuação, a falsidade. Mas também isso tenho deixar à consciência dos que  se sintam tentados a seguir esse caminho e ao juízo que as pessoas formem sobre as acções que realmente tenham sido ou sejam realizadas.

P - Estará tudo devidamente preparado para realizar as eleições no prazo legal?
R -  A "máquina" - deixe-me chamá-la assim -  para a realização de eleições, está de há muito "montada" e "lubrificada". Tenho muito a ver com isso, porque fui eu que a constituí e ela foi sendo sucessivamente aperfeiçoada. É exemplo disso a eleição para as autarquias, da minha responsabilidade em 1976, e que constituiu uma inovação pelo grau de descentralização que lhe foi introduzido, com excelentes resultados. Tecnicamente, as eleições legislativas  têm em si mesmas menor grau de complexidade. Como calcula, não estou ainda inteiramente a par de certos detalhes, particularmente das implicações das modificações que a Lei eleitoral sofreu na AR. Admito que tenhamos de resolver questões de forma, que a seu tempo sejam levantadas.
A questão essencial não reside portanto, no aspecto técnico da realização das eleições, mas sim no ambiente político que eventualmente seja criado à volta delas. O que não significa, apesar de tudo, que seja tarefa fácil.

P - E quanto á hipótese da realização simultânea das eleições legislativas e para autarquias, ela existe e será conveniente?
R - Pela natureza política da relação entre as eleições para as autarquias e para a Assembleia da República, matéria para extrema ponderação, não me sinto habilitado neste momento, e como calcula, a responder-lhe com a conveniente precisão.
Não esqueçamos no entanto que o MAI se encarrega em exclusivo dos aspectos técnicos administrativos das eleições. As questões políticas ultrapassam o seu âmbito de responsabilidade. E que ninguém esqueça também que, estreitamente ligados às eleições, para assegurar a plena igualdade dos partidos, a liberdade dos cidadãos e a decisão sobre eventuais contenciosos, estão os tribunais e a Comissão Nacional das Eleições.


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