Costa Brás a "O
Jornal"
"Guerrilha
partidária preocupa-me"
O tenente-coronel Costa
Brás ocupa no Governo Lurdes Pintasilgo um
posto-chave: o de ministro adjunto para a Administração Interna, qualidade em
que é, aliás, o nº2 do Executivo, competindo-lhe substituir o Primeiro-Ministro
na sua ausência ou impossibilidade. Àquele conhecido militar do 25 de Abril
incumbirá, nomeadamente, a tarefa fundamental de cumprir o objectivo primeiro
deste Governo que é o da realização de eleições.
Para as concretizar com
isenção e seriedade, a engª Lurdes Pintasilgo escolheu um
homem que os observadores independentes consideram especialmente qualificado
para o efeito. De facto, Costa Brás foi já MAI nos II e III Governos
Provisórios e nessa qualidade pôs em funcionamento toda a máquina que faria as
eleições para a Constituinte em 75, numa altura em que já não era ministro,
pois foi substituído no cargo após o 11 de Março.
Elemento destacado do
MFA, e do 25 de Abril (da Administração da RTP, do Conselho dos Vinte, etc.),
tendo participado nomeadamente na redacção final do seu programa, Costa Brás, tido
com um "moderado", conheceria então um período difícil, sendo depois
um dos animadores do "grupo dos nove" e do seu documento. Após o 25
de Novembro ocuparia o cargo de provedor da Justiça, para o qual se exige um
cidadão "acima de qualquer suspeita", cargo que abandonaria para
voltar a ser ministro da Administração Interna no I Governo Constitucional,
tendo nessa qualidade sido o responsável pelas eleições mais complexas - para
as autarquias locais.
Após a sua saída do
Governo o tenente-coronel Manuel Costa Brás, que conta 45 anos e é de
Pombalinho (Santarém) regressou aos quartéis, sendo 2º comandante em Vendas
Novas, mas, dada a sua competência técnica seria de novo requisitado para uma
missão civil, como administrador por parte do Estado na Hidroeléctrica de
Cabora Bassa, onde agora se encontrava.
Logo após a sua tomada
de posse "O Jornal" pôs a Costa Brás algumas questões instantes, quer
sobre o seu regresso ao Governo e ataques que lhe
têm sido feitos, em especial pelo PSD, quer sobre questões práticas
relacionadas com as próximas eleições.
"O Jornal" - Como vê o seu regresso ao
Ministério da Administração Interna?
Costa Brás - Como um acontecimento inesperado
e não desejado. Porém meditei, aceitei e não me queixo de uma decisão que eu
próprio tomei e assumo, ponderados os "prós e os contras", mesmo que
estes sejam em maior número que os primeiros.
P - Então, porque aceitou o
lugar?
R - Aceitei por três razões
fundamentais: as condições particulares que levaram o senhor Presidente da
República a adoptar esta solução; a amizade, aliás recíproca, que a senhora
engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo
faz o favor de ter demonstrado para comigo e a consideração que sinto por ela
e, fundamentalmente - porque só por si era motivo impeditivo de recusa - a
ligação do meu nome à
exigência, por todos bem sentida, de assegurar com isenção a realização do acto
eleitoral. É uma distinção que me é dada e a que procurarei corresponder até ao
esgotamento das possibilidades: e estou confiante de que se conseguirá atingir
esses objectivos de elevado interesse nacional.
P - Um dos ataques que já lhe
fazem é ter pertencido a um Governo da responsabilidade do PS. Que pensa deles?
R - É possível que seja "preso
por ter cão e preso por não ter". É muito difícil a um independente,
quando tem que decidir, obter a aceitação
generalizada de uma decisão, que por não satisfazer alguns interesses
específicos partidários, pode ser tida como beneficiando outros. É um ónus
provável. No nosso país, lamentavelmente, é muito mais fácil viver estando quieto,
do que assumir a plenitude das responsabilidades que nos sejam atribuídas.
Guio-me por padrões de conduta substancialmente diferentes dos desse tipo.
Esta posição incómoda,
já a vivi quando pertenci, como independente - e não só eu - ao I Governo
Constitucional, da responsabilidade do Partido Socialista. Também aí teria sido
para mim mais cómodo continuar no cargo que ocupava e de que guardo uma
inesquecível recordação e honra muito particular: Provedor de Justiça. De
facto, tive vários problemas, não só vindos de algumas personalidades do PS
como, naturalmente, dos partidos então na oposição. Cito um exemplo destes
últimos: a nomeação de governadores civis. Era para mim claro que, competindo a
estes, pelo artigo 263 da Constituição "representar o Governo e exercer os
poderes de tutela na área do distrito" e havendo um partido encarregado de
governar, a ele lhe caberia fornecer-me os nomes dos indigitados para essas
funções. A minha independência e isenção, nesse caso, em nada podem ser tidas
como afectadas e é assim que entendo a questão. Essa situação foi sendo
progressivamente alterada na sucessão de governos após o I Governo
Constitucional.
P - Entretanto, e voltando à
questão da isenção e imparcialidade...
R - ... Objectivamente quanto à
isenção e imparcialidade vejo-me obrigado a convidar as pessoas a lembrar
outros actos eleitorais ou preparatórios de eleições, deixando naturalmente que
concluam à vontade.
O que gostaria de ver,
isto essencialmente em benefício de tantos compatriotas nossos um tanto
confundidos e atordoados com o radicalismo de algumas declarações e posições de
responsáveis políticos, era o seguimento de uma metodologia de esclarecimento e
motivação para as eleições e não uma guerrilha interpartidária que me preocupa
e que penso terá agravamento com repercussão no MAI e no Governo em geral.
Não peço dispensa da
crítica, que sempre aceito. Custa-me é a atoarda, o rótulo, a insinuação, a
falsidade. Mas também isso tenho deixar à consciência dos que se sintam tentados a seguir esse
caminho e ao juízo que as pessoas formem sobre as acções que realmente tenham
sido ou sejam realizadas.
P - Estará tudo
devidamente preparado para realizar as eleições no prazo legal?
R - A
"máquina" - deixe-me chamá-la assim - para a realização de eleições,
está de há muito "montada" e "lubrificada". Tenho muito a
ver com isso, porque fui eu que a constituí e ela foi sendo sucessivamente
aperfeiçoada. É exemplo disso a eleição para as autarquias, da minha
responsabilidade em 1976, e que constituiu uma inovação pelo grau de
descentralização que lhe foi introduzido, com excelentes resultados.
Tecnicamente, as eleições legislativas têm
em si mesmas menor grau de complexidade. Como calcula, não estou ainda
inteiramente a par de certos detalhes, particularmente das implicações das
modificações que a Lei eleitoral sofreu na AR. Admito que tenhamos de resolver
questões de forma, que a seu tempo sejam levantadas.
A questão essencial não
reside portanto, no aspecto técnico da realização das eleições, mas sim no
ambiente político que eventualmente seja criado à volta delas. O que não
significa, apesar de tudo, que seja tarefa fácil.
P - E quanto á hipótese da
realização simultânea das eleições legislativas e para autarquias, ela existe e
será conveniente?
R - Pela natureza política da relação
entre as eleições para as autarquias e para a Assembleia da República, matéria
para extrema ponderação, não me sinto habilitado neste momento, e como calcula,
a responder-lhe com a conveniente precisão.
Não esqueçamos no
entanto que o MAI se encarrega em exclusivo dos aspectos técnicos administrativos
das eleições. As questões políticas ultrapassam o seu âmbito de
responsabilidade. E que ninguém esqueça também que, estreitamente ligados às
eleições, para assegurar a plena igualdade dos partidos, a liberdade dos
cidadãos e a decisão sobre eventuais contenciosos, estão os tribunais e a
Comissão Nacional das Eleições.
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